A
caveira do mausoléu
(Tony Antunes)
Em nossa imaginação fértil de
crianças, pensávamos que aquela caveira iria, a qualquer momento,
nos atacar. Ao mausoléu dos antigos padres e freiras dirigíamos a
nossa curiosidade. Queríamos saber se realmente ela se mexia, mas
quem teria a coragem de vê-la se bulindo ameaçadora?
O medo tomava conta de toda a
criançada, alimentado por uma antiga lenda urbana, criada com a
intenção de amedrontar os supersticiosos e pivetes, que roubavam os
vasos de flores, depositados ali no mausoléu, pelos familiares dos
defuntos.
O mito da Caveira que se bulia,
imperava nos corredores vazios, esquisitos e ameaçadores do Convento
da ordem Terceira do Carmo, na Avenida Dantas Barreto, bem no centro
do Recife.
Estávamos
no ano de 1973, onde o pânico ganhava uma conotação ainda maior,
com os boatos do aparecimento da “Perna
cabeluda”,
do “Papa-figo”,
da “Mulher do
algodão” e
da “Mulher de
Branco”.
Numa dessas tardes de inverno,
onde a chuva aguça o nosso imaginário e o céu fica escurecido,
parecendo que a noite matou o dia, fui desafiado pelos meus
coleguinhas de classe, para mostrar a minha coragem. Eu deveria
atravessar os corredores, entrar no mausoléu e demorar o máximo
possível, sem temer àquela caveira. Como prêmio, eu ganharia os
lanches de todos os que duvidassem da minha macheza. Como raramente
eu levava algo para comer na hora do recreio, por conta da minha
pobreza, impetuosamente, e no calor do momento, topei o desafio.
Deixei-me levar pelos incentivos dos que acreditavam na minha
afoiteza, e fui ao encontro do estranho mundo da Caveira do
mausoléu!!!
A caminho, o eco das minhas
passadas pelos corredores se intensificavam nos meus ouvidos, como se
eu estivesse sendo perseguido por uma entidade desencarnada; quem
sabe a alma daquela Caveira não estava a me acompanhar? Este
pensamento foi tomando forma e os meus miolos começaram a ferver...
De repente comecei a ver imagens surrealistas misturando-se às
ideias de pavor que me arrepiavam todo o corpo e me faziam tremer dos
pés à cabeça. Como num filme que retrata o fim do mundo, vi o céu
e o inferno pintados no teto da igreja, onde brevemente eu faria a
minha primeira comunhão. Tudo rodava na minha memória como um aviso
sinistro: o carro de Daniel sendo arrebatado pelo fogo, as trombetas
agudas tocando nos céus, os anjos sussurrando com olhar de
reprovação e sobrevoando a terra, os gritos, gemidos e sussurros
dos pecadores no fogo do inferno, as nuvens no maior alvoroço, os
olhos de Nossa Senhora do Carmo com ar de quem ia me castigar, o
cheiro das velas queimando, o Credo e a Ave Maria, a professora Maria
Luíza com os olhos esbugalhados saltando das órbitas, as freiras
com os terços nas mãos rezando na maior gritaria, minha cabeça
rodando, meus coleguinhas correndo, minha mãe chorando, a lua
caindo, o sol se apagando, a terra tremendo e eu... eu... eu...
Acordei duas horas depois na
enfermaria do Convento, vítima de um desmaio súbito provocado por
um forte desarranjo intestinal, causado pelo medo do desconhecido
mundo da Caveira do mausoléu!!!
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