UMA
LEMBRANÇA DE SAUDADE
Tony
Antunes
Nos
meus tempos de criancice vi e vivi nas ruas de Recife. Eu sem pai nem
mãe, um andarilhos preso ao asfalto da pobreza e da solidão. Um
órfão de amor, carinho e proteção.
Todavia,
tive noites insanamente mágicas em que, acolhido por uma cama de
papelão (que amenizava a dureza do frio chão) esticado nas noites
madrugais da calçada do armazém 17, na beira do cais do Apolo, eu
sonhava os mais belos e doces sonhos:
-
Uma cama quentinha, uma nova mãe (pois a minha já havia
morrido), um pai, quem sabe até uma família? Isto era querer
muito!?
Junto
com as estrelas, que eram minhas amigas, eu cavalgava em cavalos de
nuvens, dragões e pássaros gigantes. Vencia sempre a batalhas
contra os cheira-cola. Contra os pivetes do mal. Eu sempre saía
ileso. Somente quando acordava é que percebia a realidade. E contra
esta é brinquedo não, ela sempre ganha!
Mas
(como sempre tem um "mas") tive o privilégio que a maioria
dos jovens de hoje nunca tiveram: navegar nas águas do Rio
Capibaribe ao som das notas de belíssimas canções. Flutuar nos
ares de Recife com desenvoltura em plena Avenida Dantas Barreto,
vendo a cara de Nossa Senhora do Carmo rindo para mim.
Ouvi
e senti, no corpo e na alma, cada nota melódica no céu do Marco
Zero o Maracatu Leão Coroado, Coco de Roda, Ciranda da Lia e, do
Velho Faceta, o seu Pastoril Profano com suas "quengas"
lindas dos cordões encarnado e azul, todas com suas calcinhas
“queimando o arrôi”. Eu preferia o cordão mais safado - o
encarnado.
Aprendi
amar nos cabarés da Rua Guia. Lugar onde as "putas" tinham
muito respeito, e secura, pelos meninos "donzelos" doidos
para tirarem o "cabrecho". Eu era um desses tais
"tabacudos" afim de furar uma nega daquelas. E consegui. Eu
com apenas 17 aninhos e ela com seus suaves e maduros 52. Um filé!
Foi um susto da "bichiga", mas que me valeu muito a pena,
ah isso sim, valeu!
Me
viciei tanto na putaria que virei "xeleléu" de puteiro,
num daqueles matadouros do sossego familiar. Eu era o principal
responsável por garantir o banho "tcheco" da meninas e dos
fregueses. Tinha garantido três refeições por dia, lugar para
dormir e, na hora H, um tabaco para brincar! Nunca fui muito de
gostar de santa, isso até conhecer uma que me catequizou há 26
anos.
No
fim de tudo, tudo se finda com as nossas lembranças dos velhos
carnavais, porque tudo na vida passa, de tudo o que já passamos! As
únicas coisas que ficam são as alegres e doces lembranças de um
tempo em que éramos felizes, mas não sabíamos!
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