sexta-feira, 26 de março de 2021

A CAVEIRA DO MAUSOLÉU (Tony Antunes)


A CAVEIRA DO MAUSOLÉU

(Tony Antunes)

 

Em nossa imaginação fértil de crianças, pensávamos que aquela caveira iria, a qualquer momento, nos atacar. Ao mausoléu dos antigos padres e freiras dirigíamos a nossa curiosidade. Queríamos saber se realmente ela se mexia, mas quem teria a coragem de vê-la se bulindo ameaçadora?

O medo tomava conta de toda a criançada, alimentado por uma antiga lenda urbana, criada com a intenção de amedrontar os supersticiosos e pivetes, que roubavam os vasos de flores, depositados ali no mausoléu, pelos familiares dos defuntos. O mito da Caveira que se bulia, imperava nos corredores vazios, esquisitos, sombrios e ameaçadores do Convento da Ordem Terceira do Carmo, na Avenida Dantas Barreto, bem no centro do Recife.

Estávamos no ano de 1973, onde o pânico ganhava uma conotação ainda maior, com os boatos do aparecimento da “Perna cabeluda”, do “Papa-figo”, da “Mulher do algodão” e da “Mulher de Branco”.

Numa dessas tardes de inverno, onde a chuva aguça o nosso imaginário e o céu fica escurecido, parecendo que a noite matou o dia, fui desafiado pelos meus coleguinhas de classe, para mostrar a minha valentia. Eu deveria atravessar os corredores, entrar no mausoléu e demorar o máximo possível, sem temer àquela caveira. Como prêmio, eu ganharia os lanches de todos os que duvidassem da minha macheza. Como raramente eu levava algo para comer na hora do recreio, por conta da minha pobreza, impetuosamente, e no calor do momento, os pirraias aos gritos diziam: Vai, vai, vai... Tu num é o cão chupando manga?!”  Topei a parada! Deixei-me levar pelos incentivos dos que acreditavam na minha afoiteza, e fui ao encontro do estranho mundo da Caveira do mausoléu!!!

A caminho, o eco das minhas passadas pelos corredores se intensificavam nos meus ouvidos, como se eu estivesse sendo perseguido por uma entidade desencarnada; quem sabe a alma daquela Caveira não estava a me acompanhar? Este pensamento foi tomando forma e os meus miolos começaram a ferver... De repente comecei a ver imagens surrealistas misturando-se às ideias de pavor, que me arrepiavam todo o corpo e me faziam tremer dos pés à cabeça. Como num filme que retrata o fim do mundo, vi o céu e o inferno pintados no teto da igreja, onde brevemente eu faria a minha primeira comunhão. Tudo rodava na minha memória como um aviso sinistro: o carro de Daniel sendo arrebatado pelo fogo, as trombetas agudas tocando nos céus, os anjos sussurrando com olhar de reprovação e sobrevoando o corredor, os gritos, gemidos e sussurros dos pecadores no fogo do inferno, as nuvens no maior alvoroço, os olhos de Nossa Senhora do Carmo com ar de quem ia me castigar, o cheiro das velas queimando, o Credo e a Ave Maria, a professora Maria Luíza com os olhos esbugalhados saltando das órbitas, as freiras com os terços nas mãos, rezando na maior gritaria, minha cabeça rodando, meus coleguinhas correndo, minha mãe chorando, a lua caindo, o sol se apagando, a terra tremendo e eu... eu... eu...

Acordei duas horas depois na enfermaria do Convento, vítima de um desmaio súbito provocado por uma forte caganeira, causada pelo medo do desconhecido mundo da Caveira do mausoléu!!!


FIM

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